
Dia das Crianças na retomada Yvu Verá celebra cultura, infância e alerta para o futuro indígena
Comitê de Cultura de Mato Grosso do Sul (CCMS), apoiador da ação, acompanhou as atividades festivas no território
O Dia das Crianças foi de festa, cultura e resistência na retomada Yvu Verá, uma das dez localizadas na região de Dourados (MS). Com apoio do Comitê de Cultura de Mato Grosso do Sul (CCMS), da comunidade local e de instituições como o IFMS, a celebração aconteceu na Casa de Reza Oga Pysy, conduzida pela Nhandesy Claudiene.
Durante a ação, que teve pula-pulas, apresentações culturais e distribuição de brinquedos, moradores e apoiadores destacaram a importância de promover ações que valorizem as infâncias indígenas e fortaleçam os vínculos culturais.
Desde 2016, Yvu Verá enfrenta ataques de seguranças privados, fazendeiros e forças policiais. Mesmo sob pressão, a comunidade tem mantido espaços de acolhimento espiritual e cultural, como a casa de reza que sediou a comemoração.
PROTEÇÃO À CULTURA INDÍGENA

Mesmo com o tom festivo, o evento também foi espaço para denúncias. A Nhandesy Claudiene, responsável pela Casa de Reza, pediu apoio para garantir a segurança do espaço, alvo de ataques religiosos e destruição: “Outras casas de reza foram queimadas. A gente precisa de câmeras, luz. Quando venta forte, acaba tudo. Precisamos de placa solar. É para proteger o espaço das crianças, da cultura. Agradeço a todos que ajudaram, mas ainda é difícil manter o projeto”, alertou a Nhandesy.

O jovem Anderson, filho da Nhandesy Claudiene, participou do desfile cultural representando a juventude Guarani Kaiowá. Ele celebrou a ação como uma forma de preservação cultural e combate à vulnerabilidade social:
“Quero agradecer a todos que apoiaram a casa de reza. Trouxeram brinquedos, pula-pula, um monte de coisa para as crianças. Isso é muito difícil de acontecer. Valorizam a cultura indígena. Hoje teve desfile, estou muito feliz. Sou um dos raizeiros da minha mãe, braço direito dela. Fizemos esse projeto para tirar as crianças da rua. Muitas vezes vemos crianças fumando, bebendo, e isso é errado. Queremos elas dentro da casa de reza, aprendendo”.
ARTE E CULTURA NA BASE

Jade Ribeiro, integrante da Koa kuera — coletivo de mulheres indígenas guarani Kaiowá do audiovisual — e professora de teatro na comunidade, falou sobre o papel das ações culturais no fortalecimento das crianças indígenas diante de uma sociedade que, segundo ela, ainda marginaliza os povos originários: “O intuito dessas ações nos territórios é para que nossas crianças, que são nossa base, ganhem força e autonomia para falar da nossa cultura. Para a gente ensinar que o mundo lá fora não tem um olhar bom sobre a gente. Então, o Koa kuera vem plantando essa valorização, para que elas possam falar lá fora sem vergonha de quem são”.
Ela explicou que a Casa de Reza Oga Pysy é um espaço central de saberes: “A Oga Pysy é a grande casa de todo mundo. É sabedoria para as crianças, para que elas recebam os conhecimentos tradicionais e fortaleçam nossa cultura. As ações aqui são pensadas para crianças Guarani, Terena e Kaiowá”.

Jade também comentou sobre a importância de parcerias institucionais: “O IFMS é parceiro nosso de longa data e agora temos o Comitê de Cultura. A gente precisa falar da nossa cultura. As pessoas precisam saber que a gente está aqui, resistindo, mantendo nossas tradições e enfrentando os desafios”, completou.

Bruno Veron, conhecido como Bruno VN, integrante do Brô MC’s — primeiro grupo de rap indígena do Brasil — foi uma das figuras centrais da programação. Além de apresentar o evento e sortear brinquedos, ele reforçou a importância da arte como instrumento de resistência: Fazer esse evento aqui no nosso território, levando felicidade para a criançada, é muito massa. O Brô tá sempre levando a voz, a resistência, a luta do povo Guarani Kaiowá. Estar aqui hoje é uma felicidade imensa.”
PONTE DA ESCUTA

A agente territorial de cultura em Ponta Porã, Miguela Peralta, reforçou a importância de escutar diretamente as lideranças indígenas para que as políticas públicas realmente atendam às necessidades locais: “Estamos com uma programação carregadíssima de artistas da nossa comunidade. Nós estamos muito felizes com esse momento. Agradecemos a todos que colaboraram para que as crianças hoje pudessem ter um dia especial, porque elas realmente merecem tudo o que a gente pode oferecer para elas”.

Para Miguela, a presença de instituições no território marca uma mudança na relação entre poder público e povos originários: “As relações são como uma ponte. E muitas vezes só a gente atravessa essa ponte. É muito legal ter a presença de vocês para transformar essa relação e fazer com que seja uma relação de mais perto mesmo. Porque a gente precisa que vocês estejam aqui, escutem a comunidade, entendam o que ela precisa. Só assim, na escuta verdadeira e ativa, a gente vai conseguir atender o que a comunidade precisa”, disse.
APOIOS E PARCERIAS

Presente na ação artístico-cultural, o presidente da Organização de Interesse Público Flor & Espinho, Anderson Lima, que realiza o CCMS no estado, celebrou a força simbólica do território. Ao conversar com a Nhandesy Claudiene, afirmou: “Muito obrigado por nos receber aqui no território de vocês, nós chegamos aqui com a intenção de somar”, disse Lima à Claudiene na entrada da Casa de Reza Oga Pysy, pouco antes do início das apresentações culturais.

Também participaram da ação representantes do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), por meio do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) e do Grêmio Conexões, ambos do campus Dourados.
Mari Fernanda, coordenadora do NEABI, destacou que a presença no território faz parte do compromisso com a valorização das identidades étnicas: “Atualmente eu coordeno o NEABI do IFMS Dourados. É um órgão que promove atividades de ensino, pesquisa e extensão focadas nas identidades e relações étnico-raciais. Estou aqui com a Fernanda, presidente do Grêmio Conexões. Juntos, fizemos essa ação para trazer um pouco mais de alegria para as crianças aqui ao nosso redor. Nós sabemos de toda essa luta, essa resistência indígena, e por que não aproveitar esse Dia das Crianças para fazer a diferença na vida de algumas delas?”.

Fernanda, do Grêmio, lembrou que a arrecadação foi feita em parceria com o núcleo: “Essa semana a gente fez uma doação em parceria com o NEABI, arrecadando brinquedos para doar para as crianças dessa aldeia indígena e da outra, o Yvu Verá II”.
Mari complementou com um convite: “Para a gente é uma grande alegria estar aqui hoje. Acreditamos que você também pode fazer a diferença, doando um pouquinho do seu tempo, algum brinquedo, para a galera que mora aqui”.
As lideranças jovens do IFMS, celebraram agradecendo as pessoas que doaram os brinquedos. “Tanto servidores quanto estudantes. A colaboração de vocês garantiu a felicidade das crianças no dia de hoje”.

A festa que teve início às 9h da manhã sob o Sol intenso, terminou por volta das 17h com o Tekoha sendo banhado pela chuva.

Portanto, na retomada Yvu Verá, a infância é um ato político e cultural. E cada brinquedo, cada música e cada reza entoada nesta data foi também um gesto de luta e afirmação de identidade.
Veja a cobertura fotográfica completa do Dia das Crianças repleto de atrações culturais na Retomada Yvu Verá: https://drive.google.com/drive/folders/1SwoNazPp3AeQWym2yVsQo4F6qXKHw01Z?usp=sharing