Comitê de Cultura de MS impulsiona projetos de artistas indígenas
04 de setembro de 2025

Comitê de Cultura de MS impulsiona projetos de artistas indígenas

Assessoria técnica gratuita amplia indígena nos editais da PNAB

O Comitê de Cultura de Mato Grosso do Sul está redefinindo o acesso a políticas públicas para trabalhadores da cultura no estado por meio do programa "Propulsão Cultural". A iniciativa oferece assessoramento técnico gratuito para artistas, produtores e fazedores de cultura, com foco na qualificação de projetos para editais de fomento, como os da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).

No estado o programa já atendeu 70 pessoas , resultando no envio de 66 projetos e na aprovação de 35 propostas em editais finalizados, um marco na democratização e fortalecimento do setor.

O "Propulsão Cultural" foi concebido para capacitar agentes culturais, fortalecer suas habilidades técnicas na elaboração de projetos e promover a inclusão e a diversidade. A metodologia, desenvolvida em parceria com o Laboratório de Cultura Digital (LabCD) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Comitê de Cultura do Paraná, estrutura-se em eixos de mobilização, formação técnica e comunicação. As ações incluem desde o mapeamento das necessidades dos proponentes até a revisão técnica especializada das propostas, garantindo maior competitividade.

Os resultados demonstram um impacto significativo na diversidade dos contemplados. O perfil do público atendido revela uma maioria de mulheres (65%) e uma forte representação de grupos minorizados, que compõem 57,15% dos proponentes. Entre eles, 32,86% se declaram pretos e pardos e 24,29% são indígenas , representando comunidades como Terena, Pantaneiros e Guarani Kaiowá.

TRÊS EXEMPLOS DE SUCESSO

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Gleycielli Nonato Guató. Foto: Tero Queiroz

A eficácia do programa é visível em histórias de sucesso como as das produtoras culturais Gleycielli Nonato e Catarina Guató, que, com o apoio do Comitê, superaram barreiras técnicas e conquistaram aprovações em múltiplos editais.

Atuante nas áreas de audiovisual, literatura e culturas indígenas, Gleycielli Nonato buscou o Propulsão Cultural para aprimorar seus projetos. A equipe do Comitê ofereceu acompanhamento próximo, com apoio técnico iniciado em dezembro de 2024. Foram realizadas revisões detalhadas de duas propostas que ela desenvolvia. O resultado: aprovação em quatro editais distintos — Agentes e Coletivos Indígenas (Edital 10/2024), Audiovisual Dirigido por Mulheres (Edital 18/2024), Audiovisual (Edital 22/2024) e Bolsas Culturais (Edital 04/2025).

Gleycielli celebrou a oportunidade de contar, localmente, com assessoria técnica especializada. "Eu amei estar sendo acompanhada em todo o processo de elaboração do projeto: planilha, objetivos, justificativas, palavras ideais para se encaixar nos textos. Foi muito bom olhar os detalhes, ler com atenção o edital", declarou.

Segundo ela, esse tipo de suporte é essencial, especialmente para quem vem de contextos historicamente excluídos. "Isso foi extremamente necessário para quem é do interior, indígena, quilombola, que está à margem e precisa desse acompanhamento. Muito se fala: ‘ah, vamos dar um curso para elaborar projetos’, mas depois não acompanham. E esse acompanhamento é necessário. Não é assim: ‘vamos dar um curso’ e a pessoa já sai sabendo", observou.

Gleycielli defende que o suporte técnico seja contínuo. "É preciso que esse acompanhamento aconteça ao longo do tempo, durante todo o processo, para que o projeto seja enviado de forma redondinha, bem trabalhada, bem elaborada. Eu sou muito grata, porque, se não fosse esse acompanhamento, acho que não teria tido os resultados positivos que tive. Fiquei entre os primeiros lugares em vários projetos — e foi graças a esse acompanhamento técnico. Isso é fundamental", completou.

Ela também comentou os frutos diretos do processo. "Um filme [que aprovei] chama-se Mapago, ele é um curta-metragem. O outro chama-se Carne Amarela, também é um curta — foi gravado em Coxim", disse.

Além disso, aproveitou o conhecimento adquirido para outras frentes. "O outro projeto, que é o municipal, eu aproveitei também todo esse trabalho que eles tiveram comigo, essa ajuda que me deram, esse fortalecimento, para usar também no PNAB Municipal. Então, o PNAB Municipal também foi feito com essa força aí. O municipal chama-se A Trovadora e o Poeta. Só que eu também concorri no edital de pesquisa — o da pesquisa para estudar a cosmovisão do meu povo Guató. E também utilizei a ajuda deles, o fortalecimento que eles me deram", finalizou.

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Dona Catarina Guató. Foto: Tero Queiroz

Conhecida como uma das agentes culturais mais importantes de Mato Grosso do Sul, Dona Catarina Ramos da Silva — a Catarina Guató — também é exemplo do compromisso do Comitê com a inclusão de agentes culturais historicamente marginalizados.

Apesar da ampla trajetória, Catarina revelou que, na Aldeia Uberaba — localizada na Ilha Ínsua, na região noroeste de Corumbá, onde vive — os apoios do Estado relacionados à escrita de editais são escassos. "É diferente, muito bom receber esse apoio do Comitê de Cultura, porque a gente aqui acaba fazendo tudo muito sozinha e não sabe como fazer algumas coisas. Como se fala: temos que sempre pegar o caminho das pedras. E, com esse apoio, o caminho fica menos penoso para a gente que não está no Centro, como o pessoal da Capital", anotou.

Com dificuldades na estruturação de seus projetos, Dona Catarina recebeu acompanhamento técnico personalizado e integral da equipe. O suporte foi desde a concepção até a submissão das propostas, garantindo o cumprimento de todas as exigências técnicas. Como resultado, conseguiu efetivar sua inscrição em três editais — um feito que reforça a importância de um assessoramento sensível às necessidades de cada proponente. "Eu fiquei muito feliz. Eu tenho o sonho — que já te falei — de abrir meu Instituto Catarina Guató aqui, para ajudar as pessoas que querem se desenvolver artisticamente, achar um caminho na vida. Eu tenho pra mim que, se o apoio fosse maior aqui, como esse do edital, eu já teria conseguido", compartilhou.

Apesar dos desafios, Catarina mantém firme sua confiança no futuro. "Deu tudo certo, graças a Deus. E tenho esse sonho maior, que eu vou perseguir — e tenho fé que vou alcançar de fazer o Instituto aqui, principalmente para ajudar as mulheres e as crianças", concluiu.

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Suzie Guarani. Foto: Tero Queiroz

Também foi beneficiada com o assessoramento técnico a produtora cultural Suzie Guarani, representante do Coletivo Kaguateka, formado por mulheres indígenas de Campo Grande. Pela primeira vez participando de editais da Lei Aldir Blanc, ela relatou que o apoio do Comitê de Cultura foi decisivo para que seus projetos fossem aprovados. “Para nós foi muito importante porque estávamos totalmente sem estrutura. Era quase uma loucura pensar em como trabalhar com as comunidades indígenas sem computador, sem material, sem saber como escrever o projeto”, disse. “Nós fomos muito acolhidas pelo Comitê de Cultura do nosso estado, recebemos toda a assessoria técnica, e isso fez toda a diferença”.

Suzie teve dois projetos aprovados, voltados ao resgate da cultura e à autonomia das mulheres indígenas das aldeias urbanas de Campo Grande. Um deles, na área de audiovisual, prevê a produção de um documentário com representantes de diferentes etnias da cidade — como mulheres artesãs e cacicas.

Ela destacou ainda a importância do assessoramento contínuo e personalizado para conquista inédita do coletivo junto a editais públicos de cultura: “Tudo foi muito bem escrito, muito bem assessorado. Ficamos entre os primeiros colocados. Agora estamos comprando os materiais e montando as oficinas para executar nas aldeias. Sou muito grata. Se não fosse esse apoio, talvez não teríamos conseguido”, completou.

CAPACITAÇÃO AMPLIADA

Além dos atendimentos individualizados, o Propulsão Cultural promoveu uma série de oficinas online para qualificar um público mais amplo. As transmissões abordaram temas como a PNAB, elaboração de projetos e criação de portfólios, alcançando centenas de visualizações. Também foi realizado um plantão presencial na Casa de Cultura de Campo Grande para tirar dúvidas.

Apesar do sucesso, o Comitê enfrentou grandes desafios como a suspensão de editais municipais em Campo Grande, que impactou negativamente diversos proponentes e atrasou a execução dos projetos artístico culturais. Para o futuro, o plano é intensificar o acompanhamento dos projetos em análise e ampliar a equipe de atuação por meio de parcerias com a Secretaria de Cidadania de MS (SEC) e o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS).